O avanço silencioso dos ultraprocessados no Brasil

Nos últimos anos, o Brasil tem presenciado um aumento expressivo no consumo de alimentos ultraprocessados, especialmente entre crianças e adolescentes.
Esses produtos — que incluem refrigerantes, salgadinhos, biscoitos recheados, embutidos e macarrões instantâneos — são ricos em açúcares, gorduras e sódio, mas pobres em nutrientes essenciais.

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF/IBGE), os ultraprocessados já representam mais de 20% das calorias consumidas diariamente pelos brasileiros, com tendência de crescimento nas grandes cidades. Esse dado preocupa porque está diretamente ligado ao aumento da obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares, especialmente em populações de baixa renda.


Por que os ultraprocessados são um problema de saúde pública

O consumo frequente desses produtos não é apenas uma questão individual — é um problema coletivo e estrutural.
Eles são baratos, prontos para o consumo e amplamente divulgados pela publicidade, o que os torna mais acessíveis do que alimentos in natura, especialmente em regiões com menor oferta de feiras e hortifrutis.

De acordo com estudos publicados na Frontiers in Nutrition (2024), cada aumento de 10% no consumo de ultraprocessados está associado a um risco 15% maior de mortalidade por todas as causas.
Esse tipo de evidência reforça a urgência de ações coordenadas de saúde pública, especialmente no nível municipal, onde as decisões sobre alimentação escolar, feiras e abastecimento local são implementadas.


O papel dos municípios na promoção da alimentação saudável

Os municípios têm um papel fundamental para mudar o ambiente alimentar e incentivar escolhas saudáveis.
Algumas medidas concretas podem ser implementadas com baixo custo e alto impacto, integrando ações intersetoriais entre as secretarias de saúde, educação e agricultura.

Veja algumas estratégias eficazes:

  1. Revisão dos cardápios escolares e eliminação de ultraprocessados nas merendas
    A merenda escolar deve priorizar alimentos frescos, preparados localmente e alinhados ao Guia Alimentar para a População Brasileira.
    Municípios como Belo Horizonte e Curitiba já são referência em programas que reduzem industrializados e ampliam frutas e verduras na alimentação escolar.

  2. Regulação da publicidade infantil em espaços públicos
    As prefeituras podem criar normas que limitem a exposição de crianças à propaganda de ultraprocessados em escolas, parques e eventos públicos.
    Essa medida tem respaldo em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e já é adotada em cidades da América Latina, como Montevidéu.

  3. Incentivo às feiras livres e à agricultura familiar
    Ao fortalecer o abastecimento de alimentos frescos por meio de feiras municipais e hortas urbanas, os governos locais aumentam o acesso da população a opções saudáveis.
    Cidades que implementam hortas comunitárias observam melhora na segurança alimentar e aumento do consumo de vegetais.

  4. Campanhas educativas permanentes
    Secretarias de saúde podem promover campanhas sobre os riscos dos ultraprocessados, explicando de forma simples a leitura de rótulos e a diferença entre alimentos naturais, processados e ultraprocessados.
    Ações em rádios comunitárias e escolas têm alto alcance e baixo custo.

  5. Criação de ambientes alimentares saudáveis
    Os municípios podem definir políticas urbanas que estimulem a presença de feiras, mercados populares e cozinhas comunitárias em áreas periféricas, combatendo os chamados “desertos alimentares”.


Exemplo inspirador: o caso hipotético de Arvoredo Sustentável (SP)

A prefeitura de Arvoredo Sustentável (SP) criou em 2023 o projeto “Alimenta Cidade”, com três eixos principais:

  • Substituição gradual de ultraprocessados nas escolas municipais;

  • Implantação de hortas comunitárias em bairros periféricos;

  • Campanhas de comunicação com o lema “Comida de Verdade, Saúde pra Toda a Cidade”.

Em um ano, o consumo de frutas e verduras entre alunos aumentou 45%, e o município passou a ser reconhecido pela Frente Nacional de Prefeitos como referência em políticas de alimentação saudável.

Dados que reforçam a urgência da ação

  • O Ministério da Saúde (Vigitel 2023) aponta que 60% dos adultos brasileiros estão com excesso de peso, e 25% têm obesidade.

  • Estudos mostram que cada 10% de aumento no consumo de ultraprocessados eleva em 21% o risco de desenvolver doenças cardiovasculares.

  • Crianças que consomem esses produtos mais de quatro vezes por semana apresentam duas vezes mais chances de obesidade do que aquelas com alimentação predominantemente natural.

Esses números evidenciam que a regulação e a promoção da alimentação saudável são ações urgentes e devem integrar os planos municipais de saúde.


Como comunicar para gerar impacto

Além de políticas públicas, a comunicação é uma ferramenta poderosa.
Prefeituras e secretarias podem utilizar redes sociais, rádios comunitárias e escolas para disseminar mensagens educativas, como:

  • “Mais feira, menos pacote.”

  • “Comida de verdade: o melhor remédio está no prato.”

  • “Escolher frutas e verduras é um ato de saúde pública.”

Campanhas com linguagem simples e visual atrativo ampliam o engajamento e reforçam o papel da comunidade na mudança dos hábitos alimentares.


Conclusão

O aumento do consumo de ultraprocessados é um dos maiores desafios contemporâneos da saúde pública.
No entanto, as soluções estão ao alcance das gestões municipais: políticas integradas, regulação inteligente e incentivo à produção e ao consumo de alimentos de verdade.

 

Ao promover um ambiente alimentar saudável, as cidades não apenas previnem doenças, mas também formam cidadãos mais conscientes e comunidades mais fortes.
A saúde pública começa nas escolhas diárias — e os municípios têm o poder de tornar essas escolhas mais saudáveis e acessíveis a todos.